A verdadeira história sobre a esposa de conde Vlad

Uma carta de amor, e despedida…

Louise Nazareth
7 min readAug 28, 2017
Photo by Wil Stewart on Unsplash

Meu amado, e querido, Vlad, a esta altura talvez tenha sido pego de surpresa ao encontrar esta carta. Ressalto, porém, que não tente compreendê-la ou calcular quando foi escrita. Pois tais números jamais farão sentido em seu coração, e jamais lhe serão úteis para compreender o real motivo de minha partida. Creio, contudo, que saberás absorver cada palavra em seu coração, e tratá-las da melhor maneira possível, ao terminar esta confissão.

Na noite anterior a minha partida, decidi que precisava lhe dar alguma explicação. Alguns dirão que morri, ou que simplesmente me lancei aos braços do desconhecido, e deitei-me para sempre sobre a gélida pedra sagrada de nossa capela. Mas, posso lhe assegurar, que o real motivo, o qual me permitiu trilhar junto ao improvável, é simplesmente pela falta que você me faz. Pelas vozes que tenho de suportar em minha mente, confusas e agonizantes, maldizendo cada paço e cada atitude sua frente a minha ausência. Por cada momento de angústia que consumiu a minha alma e me arremessou diretamente ao abismo infinito de dor e sofrimento, no negro vazio de sua não-presença.

Pelas batalhas memoráveis que deveria ganhar, pelo tempo consumido tão longe de casa, e pelos rumores de não mais manter somente o meu nome em seu coração, a loucura me dominou e cerceou, por completo, todos os meus sentidos e desejos de viver. E por mais que eu acredite na palavra tua, por mais que eu saiba a verdade que carrega no calor de seu sangue e coração, não pude evitar a falta que me faz sentir da sua pele junto a minha, o doce aroma de seus cabelos negros cobrindo a minha face ao beijar-me já deitados. Pelo ardor incontrolável do desejo em ser novamente tua, em me possuir e renovar nossa união, sempre mais e mais. Talvez por covardia, ou por um resquício mínimo de qualquer traço de sanidade, eu parti.

Parti na esperança das vozes não mais atordoarem os meus sonhos, e me fazerem crer que já não significo mais nada para você, que fui apenas uma longa história… óh! que pesar, não suportaria menos que uma vida ao lado teu. Parti na esperança de arrancar direto das entranhas, a solidão purulenta em estar somente em sua memória, e não mais em vossas mãos. De não sentir que o seu coração pulsa junto ao meu, e que nossas palavras de amor já não significam nada mais. Parti, na esperança em acreditar que tudo isto é verdade, pois assim, facilitaria, de certo modo, o meu desesperado chamado pelo silenciar de minha respiração eternamente.

Talvez, para qualquer um que leia estas palavras, não tenha sentido ou significância alguma, o que francamente não me importa. Este senso mesquinho em compreender uma poesia direta do coração, não faz jus ao tamanho real destes sentimentos, e como eles importam para nós que eu sei que importam, não é mesmo?

Mas para você e eu, sabemos quantas noites em claro perdemos nos amando em meio à praça das corujas. Na clareia aberta nas terras de meus pais. Ah! Lembra das primeiras vezes, nas quais nos encontrávamos e conversávamos sobre a grandeza de nós dois e como isto abalaria as estruturas da realidade! No poder, e na imensidão, do nosso amor e do nosso sucesso. No quanto era engraçado ir dormir somente quando o sol apertava perto da hora de almoçar, e corríamos para não perder o restante do dia? Ou de quando fazíamos amor e o mundo se tornava tão pequeno para tamanha beleza de nós dois, nas entregas, na confiança e nas descobertas… Confesso que com você aprendi a amar de verdade. E posso dizer que foi o meu imenso e maior amor. O único pelo qual sentiria o desejo de findar a minha própria vida, ao vê-lo morrer. Você é o sopro de luz e suavidade que me fez enxergar o quanto posso ser boa e servir ao mundo com um simples sorrido, ou um olhar. Que não preciso provar nada a mais ninguém, e que a vida me aguarda na imensidão das escolhas que ainda não fiz pela beleza das inúmeras cores do arco-íris da nossa existência terrena!

Lembro das vezes que nos recluíamos nas terras de sua querida mãe, ainda que enferma de algumas ideias, nos permitia quase que deliberadamente termos mais noites acordados envoltos em amor, torpor, ideias e o luar a recobrir a pele úmida de lágrimas de alívio e suor. O brilho dos seus lindos olhos castanhos, ao refletir a minha face já corada. Os seus lábios macios avermelhados a pronunciar meu nome, já exaustos de tanto ardor. E os seus braços ao redor de mim… que saudades sinto disto! Leiloaria minh’alma ao inimigo para que a eternidade me cobrisse de seu carinho novamente, nem que somente por uma noite mais.

Hoje, ou talvez amanhã, já esteja longe de ti, mas saiba. Jamais se esqueça. Eu parti, e não por falta de amor, e não por falta de querer ficar (muito pelo contrário, e seria inútil enumerar todos as lembranças e reais desejos para que eu permanecesse aqui). Mas pelas malditas vozes que me tiram o sono, e a sanidade. Pelas vozes que deturpam estas belas memórias, e reduzem o meu juízo ao mínimo, abaixo do civilizado. Que destroem a minha ternura e me transformam em um ser repugnante de angustia e agressividade gratuita. Com a qual tive o desprazer de reduzir o seu encanto sobre a minha pessoa…

Perto já do ápse da enfermidade, já demonstrara sinais de total desvario e fraqueza de caráter. Dos maldizeres que lancei sobre você. Dos maldizeres que lancei sobre nossa história e também sobre alguns de nossos amigos. Dos detalhes perversos dos quais não ouso repetir, para que também estes fantasmas não permaneçam entre nós.

Talvez você note borrões nesta carta, e a letra mal passada. E portanto, perdão é o que peço por este desmazelo. A esta altura as lágrimas fazem de minha pele o caminho das águas bravas do rio mais tempestuoso e selvagem que já existiu nas temporadas de monções. A dor estilhaça-me as entranhas, tais quais o cortar de vidro na tenra carne e faz do coração uma colcha de retalhos irreparável, que jamais encontrarão novas tramas para guiar as costuras do meu juízo. Sinto um desprazer amargo em não poder olhar uma última vez nos teus lindos olhos de amêndoa, e beijar-lhe mais uma última vez, para que não fique a marca do desprezível sentido de abandono e sofreguidão, das promessas que lhe fiz e neste momento acado por quebrá-las por completo. Um total fracasso de minha parte.

Desejo-lhe que retorne a casa tua, e, portanto, não mais a nossa, com os olhos altos e cabeça erguida. Que compreenda que não serei eu mesma se não me esforçar em deixar as vozes saírem de qualquer jeito, e que um dia ainda desejo regressar, se assim me aceitar. Mas que compreenderei que seguiu um novo caminho, e se fez feliz, se assim de fato o for. De maneira descabida e um tanto sem pudor, peço que entenda que o meu destemperamento jamais teve a ver com você, mas sim, com os fantasmas que contaram sobre você, e as mazelas que tive de imaginar quando não esta por perto. Pelo meu descontrole em desejá-lo aqui e agora, o tempo todo, e também pelas terríveis feridas que levo comigo de tempos passados. Pelo meu desejo em sair e travar as suas batalhas por você, para que assim não sofresse e não se desfigurasse. Pela vontade imensa de carregá-lo em meu coração e fazê-lo sentir o total e pleno sentimento de tê-lo ao meu lado por toda eternidade.

Por fim, e sem delongas, quero que saiba que será o meu único e verdadeiro amor. Que as areias do tempo podem levar as vozes, e o único momento que teria você novamente em meu seio de calor, mas que mesmo assim serei um tanto mais feliz de saber que a minha fúria torpe e loucura desmedida não o fez perecer em silêncio e asco sofreguidão. Que o nosso amor permaneceu intacto em algum lugar especial dentro de ti, e que a memória que construímos, ainda que breve e recente, não se apague com a sépia passagem dos momentos sobre momentos.

Sinto tanto e não ter lhe dito o quanto desejo que os seus projetos de desbravar o mundo se realizem com plenitude, pois creio na tua força, paixão pela vida, e na tua capacidade. Sua total liderança, suas cores e sabores tão repletos de alegria ao regozijar-se em suas melodias e notas de euforia! Sua música, sua arte, suas batalhas, suas guerras! O meu guerreiro, o meu amor e o meu maior amigo, todos em você.

Eu sinto muito, mais uma vez eu lhe peço perdão, humildemente, por esta partida, e tudo o quê com ela tive de arrancar de ti, da noite para o dia. E que algum dia, pretendo estar livre destas sombras para que eu possa novamente habitar em seu coração.

Um beijo eterno de carinho, da amada Liz. Ao meu único e verdadeiro amor, Vlad.

ps.: uma trilha com carinho… https://youtu.be/wXcYlZ_a0kU

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Written by Louise Nazareth

Crônicas para compreender, transformar. Por uma vida anti-rótulos, liberta. Escrita livre para desabafar, entender, passar um tempo.

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