Eu não sei ser vulnerável

Aprender a me abrir (e os meu próprios fantasmas)

Louise Nazareth
7 min readAug 29, 2019

Eu não sei ser vulnerável. Me abrir. Talvez isto seja algo que demande um esforço tão grande e tão profundo de minha parte, que hoje em dia prefiro outros meios para me enxergar. Me vejo no espelho de outras pessoas, nas atitudes que eu não gosto, nos pensamentos que eu não concordo. E silenciosamente vou moldando dentro de mim aquilo que eu chamo de visão de mundo, opinião, etc. O que eu sei disso tudo, é que quando alguém consegue penetrar na carapaça de blindagem que eu mesma me dei, me sinto vulnerável. Sensível. Quando alguém consegue entrar nesse meu pequeno bunker invisível, sinto que ela deve permanecer na minha vida para sempre, pois não sei quando serei capaz de permitir um outro alguém. Ou, quando esse outro alguém aparecer, se vai ficar. Se não vai entrar, mexer em tudo e depois sair e largar a sujeira para eu limpar sozinha. Neste momento, também percebo que além de vulnerável, não gosto de me sentir sozinha. Sabe, é complicado demais… eu faço um esforço imenso para deixar tudo aqui dentro do jeitinho que eu gosto. Arrumo a decoração, os arabescos, os objetos. É tudo feito com tanto amor que não me parece justo alguém entrar, fazer morada em mim e depois ir embora. Me sinto invadida, me sinto abandonada.

Imagem de StockSnap por Pixabay

Bom falar disso agora, porque ontem mesmo pensei em coisas desse gênero: o quê é estar abandonada? Estar abandonada é deixar uma relação abusiva difícil porque isso já consumiu demais da minha energia de viver? Estar, ou ser, abandonada é decidir pelo seu coração saudável e não pela meia relação que vive com uma pessoa. Quando ela tem tempo, você existe. Quando não, é apenas uma sombra num porta retratos que é vista só de vez em quando. E é bem assim que eu ando me sentindo, além de vulnerável e sozinha. Me sinto confusa. Sinto. Racionalizo. Reflito. Vomito… e nada do que eu vejo nesta pasta gosmenta me parece amor. Me lembra um pouco de ego, me cheira a medo. Tem aspecto de dor e sofrimento, pitadas de cicatrizes mal fechadas de um passado recente. Mas nada, absolutamente nada, me lembra eu. Então eu choro, e choro bastante. Choro no quarto, andando na rua, nas voltas para casa. No banho, no café, no almoço. No ônibus, no carro, no metrô. Eu choro. Choro muito, choro pouco. Faço um desabafo e sigo em frente ainda sem saber muito bem para onde ir.

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trilha sonora

Sempre que eu deixo alguém entrar e essa pessoa vai embora eu me pergunto quais são meus reais problemas com isso. Eu sou o tipo que atrai as pessoas erradas para reforçar crenças limitantes e por isso eu “gosto” de perder? Eu deixo gente confusa entrar para eu me ocupar com a confusão alheia e não olhar a minha bagunça, e depois quando essa pessoa vai embora eu busco outra para não olhar para mim? E eu sempre tive dificuldade de deixar alguém entrar. Até quando namorei nos meus 20 e poucos anos. Eram relacionamentos muito legais, alguns divertidos, outros nem tantos… mas o curioso é que ninguém me conheceu de verdade. Nunca fiz resistência, deixei dragões cuidando das portas ou esquemas matemáticos com contagem regressiva. Eu estava lá, aberta. Eu estava sempre lá, e ninguém entrava. Então eu me desinteressada das pessoas por julgá-las superficiais demais para um relacionamento. Foi quando, já na segunda faculdade, eu me propus a olhar o mundo diferente, foi o começo de tudo dessa nova jornada. Tive 2 relacionamentos problemáticos, mas igualmente sinceros no ponto de vista das tretas todas, eram pessoas legais e quebradas por dentro. Tinham tudo para entrar, e entraram mesmo. Mas logo saíram.

Quando eu me vejo hoje, percebo que há aproximadamente 4 anos (ou talvez menos, não importa), eu estava completamente escancarada porque não acreditava que alguém seria capaz de entrar. Não depois de sofrer tanto, não depois de tanto vivenciar coisas tão tortas ou pela metade. Mas, para a surpresa geral, minha, e de todos ao meu redor, uma coisa aconteceu. Alguém apareceu. E entrou. Ficou. Saiu. Voltou. Saiu… Ficou pela metade. Saiu pela metade. Quando eu pensei mais a respeito eu percebi que ele e eu representávamos mutuamente nossos maiores fantasmas e sonhos de realização na vida. Fomos como opostos complementares durante muito tempo ate que um dia, não lembro qual de nós… mas deve ter sido ele, acordou primeiro e disse que havia algo errado ali. Era tudo, menos amor. Era medo, era carência, era perturbação, era tesão, era sonho, era terror. Era. E quando o amor regressou talvez não houvesse mais nenhum de nós ali para recebê-lo. Era somente um monte de coisas para jogar na coleta seletiva, outras no lixo comum. Mas nossas mentes, personalidades e visão de mundo já estavam completamente alteradas e moldadas para um novo jeito de viver. O mais curioso, porém, é que sempre estivemos em um relacionamento não importando o nome. Pagávamos as contas um do outro, contávamos um com o outro, confiávamos um com o outro. Era um namoro com outros nomes: amizade forte, amizade profunda. Meu melhor amigo. Foi um relacionamento amoroso, em síntese. Foi mesmo. Gostando ou não, foi sim. E foi doloroso porque não era inteiro. Era um final de semana muito bom, com a sombra de que o próximo seria regido pelo acaso das nossas agendas. Eu, obviamente, gostava demais de sabotar minha agenda. Gostava de desmarcar coisas para acompanhá-lo. Gostava também de forjar compromissos para convidá-lo. Uma coisa na casa de alguém, posso levar meu amigo? Uma coisa num outro lugar qualquer, posso dormir na sua casa? E assim seguimos durante um tempão.

O foda dessa questão imensa é que eu jamais parei para olhar para dentro. Eu era uma criança com muitos brinquedos numa casa grande. Onde me cansava a bagunça eu partia para um novo cômodo montar um novo circo e mais bagunça. Até que um dia eu ocupei todos os cômodos da casa e não mais havia ali, espaço para bagunçar. Precisamos conversar. E conversamos. Conversamos uma vez, duas, dez, cem. Conversamos tanto que isso se tornou rotina, e não era uma dêérre normal. Eram questões tão profundas que eu me sentia aberta do avesso, de dentro para fora. Tudo o que eu era estava ali escancarado, defeituoso. Claro que eu comecei a me cobrar! Me culpar, me condenar. Eu “me tudo” e no fundo, não fazia nada de realmente prático para mudar. Era, novamente, um espelho dele. O que ele gostava. O que ele sentia. O que ele pensava. E no fundo: que merda eu tô fazendo da minha vida? Porque tanta falta de coragem em deixar tudo para trás. Porque eu simplesmente não olhei e pronto, acabou! Porque? Tudo o que eu mais almejava naquele momento era que ele não fosse embora, que não saísse do meu mundinho. Que se esforçasse para se curar lá dentro comigo como sempre fizemos, e isso era o reflexo perfeito da nossa incapacidade de nos curarmos, de fato. Era como esquecíamos o mundo e fugíamos o tempo todo. Fugir. Eu fiquei boa nisso, assim como escapar e não perceber. Fiquei ótima nessas questões.

Hoje eu percebo, mais uma vez, que olhar para dentro requer coragem de entender que muita merda que foi feita lá atrás é questão da nossa própria imperfeição. E tudo bem com isso. Tudo bem não saber das coisas, ou não saber fazer outras… É tudo bem mesmo! Só que também cansa arrumar a casa toda vez, tirar a bagunça da frente, por o lixo lá fora. A parte do lixo é qua de dói mais, sabe? Ter que limpar, recolher, olhar, falar, remontar, corrigir, descartar. Doeria menos se eu quebrasse um braço ou tirasse um dente complexo da boca. Doeria menos ter de lidar com a morte do que isso, por que no fim, se a gente escapa disso tudo vai doer por que uma hora sempre volta. Tipo a chuva. Ciclo infinito de água em vários estados, do gás ao líquido. Do sólido ao gás.

Eu não sei lidar com isso.

Não sei lidar com o fato dele ir embora.

Também não sei lidar comigo sem ele.

É curioso pensar que meus amigos estão cada vez mais dentro do meu coração e não dói desse jeito. Aos poucos consigo entender o quê cada pessoa pode “fazer” lá dentro, e cada um têm um cômodo que pode entrar, ou apenas um lugarzinho para sentar. Mas não dói. Precisei me abrir para que isso acontecesse mas acho que no processo de um companheiro, meu problema é que eu nunca aprendi a me abri e quando faço isto, precisa ser intenso. Por inteiro, de uma só vez. Enquanto isso vejo casais ao meu redor tão felizes e em seus processos e me pergunto: como é para eles? como é viver assim? houve essa intensidade, sim/não? como foi? é a conta-gotas, devagarzinho…? Não sei bem como explicar isso mas sinto que meu coração se incendeia em ódio e tristeza quando penso que eu posso ser um problema. Seria o meu jeito muito bizarro de lidar, ou seria a maneira como eu olho para as pessoas me colocando em detrimento de suposições que talvez só existam na minha cabeça? Porque eu sinto que só ele serve para mim? Será porque eu tenho medo de deixar um outro alguém mais preparado entrar em seu lugar? Seria por causa da nossa intimidade, e que na verdade eu jamais saberei como é viver com outras pessoas se eu não me permitir? É um pensamento diário e doloroso.

Agora preciso fazer novos amigos. Fazer novos sorrisos. Novos lugares. Preciso fazer novo dentro de mim o ímpeto de viver sem a sombra de alguém que por muito tempo me acompanhou nos outros processos paralelos de romper minhas cascas (que foram muitas). Existe anda a incoerência de entender como “resgatar” meus fragmentos, me fazer forte e livre novamente. Como recolher toda a energia que eu empenhei mundo a fora e deixei meu coração vazio por tanto tempo. Era como tomar um café num lugar chic sozinha, você espera 15 minutos e a pessoa vem e vai antes de virar a hora. Essa é a sensação…

Eu quero muito brilhar. Ser sol, ser estrela grande no céu. Mas hoje eu só sei que dói levantar da cama e que tomar banho é gostoso para receber um abraço invisível de alguém que não está mais lá.

E você, já se perdeu deixando alguém entrar?

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Louise Nazareth
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Written by Louise Nazareth

Crônicas para compreender, transformar. Por uma vida anti-rótulos, liberta. Escrita livre para desabafar, entender, passar um tempo.

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