Não festeje 2020 sem antes ler isto

É tipo um salto de fé, mas não é Assassin’s Creed

Louise Nazareth
5 min readDec 30, 2019

O ano está no fim, praticamente contagem regressiva e para alguns de nós estes últimos dias mais parecem semanas encapsuladas nos momentos finais deste ciclo que foi desafiador para quase todo mundo.

salto de fé, por bytecodeminer

E eu digo quase todo mundo de maneira muito plena e, talvez até meio arrogante. Não se assuste com o termo, mas é que eu andei pensando bastante e cheguei a uma semiconclusão de que o ano, seja este ou qualquer outro, só foi desafiador para aqueles que se deram conta de que a vida é um aprendizado cíclico sem fim.

Que a vida é um canteiro de obras, ora com todas as ferramentas a sua disposição, porém sem muito conhecimento de como utilizá-las. Ora com todo conhecimento necessário ao alcance das mãos, porém sem muitos instrumentos específicos para operacionalizar a reforma íntima. Sim, esta reforma que muitos de nós teme profunda e paranoicamente. A reforma de se olhar por dentro, despida de todas as suas carapuças, de todas as suas armaduras e papeis sociais, e encontrar por de trás de tanta tralha quem você verdadeiramente é.

Comigo não foi diferente. Não sei quantas vezes terminei com o mesmo namorado nos últimos anos, quantas vezes reatei e desatei a nossa amizade. Quantas vezes voltei atrás em decisões que nem eram tão claras, mesmo pra mim, depois de refletir tantas vezes. Não sei quantas vezes mudei minha opinião político-social, minha crença religiosa, minha fé em mim mesma. E, pasme, até agora não sei muito bem o que é a prática do amor próprio. Toda vez me pego pensando se “isto que estou fazendo, é por mim mesmo, ou se é uma crença escondida no entulho emocional querendo tomar forma e dominar meu consciente”. É… é dose.

Depois de duvidar de mim umas dúzias de vezes, passei simplesmente a crer que depois de tanto aprendizado nessa reforma (assustadoramente) íntima, eu seria minimamente capaz de não me colocar em situação precária novamente. Pelo menos, não com os mesmos erros. Talvez, novos erros estão por vir para revelar novos aprendizados, mas até lá, confiemos!

E antes de festejar, seja por estar respirando, ou por ter um teto seguro onde me abrigar todos os dias, ou por ter alguns amigos que se dispoem a me escutar com amor, ou mesmo pela minha capacidade de dormir e acordar todos os dias, sinto que falta manifestar minha gratidão por estas coisas simples. As vezes a gente só lembra que tem um dedinho do pé esquerdo, quando ele encontra a quina de um móvel diabolicamente posicionado nomeio do seu caminho, pronto para lembrar seus nervos da existência dessa parte do seu corpo. Mas desta vez eu quero me lembrar de tudo. E quero agradecer por tudo isso, também.

Quero me lembrar que só tenho cabelos brancos porque consegui superar a minha juventude depressiva e com isto, conquiste alguns pontos na experiência de lidar com meus sentimentos. Quero agradecer meus quilos a mais, minhas estrias e as celulites que apareceram ao longo do caminho, para me lembrar que eu tenho um corpo saudável, que é só meu. E eu sei quem posso permitir tocá-lo, abraça-lo ou mesmo estar na sua presença e que tudo isto seja edificante para todos nós. Eu agradeço por cada marca, cada cicatriz que a minha pele carrega, porque são histórias que fazem parte deste lapso espaço-tempo do meu suposto passado. Agradeço pelas marcas de expressão que estão começando a surgir somente agora, e que suportaram alguns anos antes de me agraciarem com a lembrança da minha finitude. Ainda que eu considere minha pele relativamente jovem e saudável, mesmo assim, eu agradeço por ter conseguido conquistar estes anos de vida.

Agradeço por estar viva, e por ter me permitido mais uma chance de andar neste plano terrestre. Sendo uma alternativa boa, ou não. Fácil, ou não. Não importa. Eu já cogitei, planejei e tentei terminar com a minha vida, não apenas uma vez, e isto foi um aprendizado do qual eu não me envergonho. Porém, não é uma das melhores lembranças. E mesmo que isto tenha sido um choque tremendo, eu fico feliz de ser capaz de sentir meu corpo estremecer, a pele enrijecer e o suor correr gelado. Isto me lembra que estou viva e todos os dias, todos os preciosos dias, que tenho pela frente só existem porque me permitir experimentar um pouco mais desta experiência.

Agradeço a minha capacidade de aprender rápido. De aprender devagar. De aprender. E também de ensinar. Parece que não nos resta muito para passar a diante, mas quando se percebe que a vida é um ciclo, e não uma competição, também é percebido o valor que há em compartilhar. Uma conversa, um pensamento. Um palavrão! Compartilhar um abraço, uma sinceridade aqui e outra ali. E toda vez que dói quando alguém me contraria, logo penso: Poxa, que merda! Tem algo em mim que não tá legal, porque me afeta tanto esse comportamento dessa pessoa?

Talvez neste ano eu tenha aprendido o que é ser mulher. Talvez eu tenha resgatado coisas que são importantes na minha construção social e isto me torna mais consciente de mim. Simone de Bevouir, bell hooks, sei lá… de Beyoncé a Nina Simone, são todas mulheres que me ensinaram muito em suas vulnerabilidades e ainda assim não deixaram de ser grandes. Grandes para si mesmas, pelo menos nesta existência. Minha mãe, minhas avós, bisavós. Minhas amigas também, suas mães, irmãs e filhas, todas estas mulheres me ajudaram a aprender mais sobre quem eu sou, e isto não tem preço.

Não há como comemorar, ou festejar, ou qualquer coisa que termine em -ar sem antes reconhecer que eu me permiti chegar até aqui. Assim como você tem sua história de vida, de reformas íntimas, de faxina, de limpeza e de reconstrução da sua pessoa, da sua personalidade. Quais coisas edificaram você e quais delas te levaram a lona? Como agradecer quando algo é mais doloroso do que prazeroso e ainda assim, te fez crescer? Pois é, eu me pergunto isso todos os dias.

Me pergunto tanto que no fundo eu só deixo rolar, uma hora a resposta vem. Se não, talvez seja a pergunta dita de maneira meio turva, nebulosa.

O que você tem para agradecer hoje, reconhecer a importância disso na sua vida, para que no próximo ano (ciclo, período, momento) você não precise repetir os mesmos erros para aprender? O que há dentro de você que seja digno deste olhar, que seja merecedor de reconhecimento? Você pode pensar aí com você e seus botões, ninguém tá olhando! Mas reconheça. O faça assim que possível.

Eu prometo que isso não vai doer!

--

--

Louise Nazareth
Louise Nazareth

Written by Louise Nazareth

Crônicas para compreender, transformar. Por uma vida anti-rótulos, liberta. Escrita livre para desabafar, entender, passar um tempo.

No responses yet